Festim de amêijoas em zonas poluídas
por: Ricardo Garcia, Marisa Soares
13.03.2011
A imagem já se tornou
rotina, sobretudo em dias de sol: andam às dezenas, homens e mulheres,
jovens e mais velhos, armados de ancinhos, pequenos sachos, baldes e
galochas. Todos de olhos postos no fundo do rio Tejo, destapado pela
maré baixa, procuram amêijoas, berbigão, lambujinha, canivetes. No
Barreiro, a apanha de bivalves para consumo ou venda imediatos é
proibida. Mas isso não impede as pessoas de arriscar.
"Anda muita
gente a governar-se com isto", garante José Fernando. À beira da água,
de cócoras, José apanha água do rio para um garrafão de plástico. "É
para mudar a água às amêijoas que apanhei ontem", conta o antigo
trabalhador da CUF, agora reformado, com 71 anos. É ali que passa algum
do tempo livre, à procura do marisco "para comer ou dar aos amigos".
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A famosa e contaminada ameijoa Japónica |
Em
dias bons, já chegou a levar para casa 15 quilos de amêijoa. "Não
apanhei mais porque não quis. E é tudo amêijoa grande." Esta espécie
grande, conhecida como amêijoa japónica, é exótica e não se sabe ao
certo como foi introduzida no estuário. Existe hoje em abundância no
Barreiro, Almada, Seixal, Montijo e Alcochete. Estas são consideradas
zonas C pelo Instituto de Investigação das Pescas e do Mar (Ipimar),
por
estarem poluídas com coliformes fecais.
Os bivalves aí apanhados só
podem ser consumidos se forem transpostos vivos para outro meio natural
não contaminado e aí permanecerem por mais de dois meses. Caso
contrário, servem apenas para transformação industrial.
Além da
poluição fecal, o Barreiro é uma das zonas do Tejo cujos sedimentos
estão mais contaminados com metais pesados, como arsénio, chumbo e
cádmio. Ainda assim, a apanha continua e ninguém sai do rio de mãos a
abanar. Maria Antónia anda com o marido e cada um tem o seu balde. Aos
56 anos, está desempregada há sete, tal como o marido. Vai para a praia
do Clube Naval do Barreiro sempre que pode, mas diz que apanha amêijoa
só "para passar o tempo". Outros actuam de forma mais coordenada: "Há
famílias inteiras, com restaurantes no Barreiro, que passam aqui horas",
conta José, sublinhando que é raro ver a Polícia Marítima por ali.
Contudo,
em 2011, até ao final de Fevereiro, a Polícia Marítima levantou 23
autos por pesca ilegal de bivalves: cinco a montante da Ponte Vasco da
Gama, a embarcações com ganchorra; e 18 entre as duas pontes, na margem
sul do Tejo, a pescadores apeados com utensílios ilegais. Em 2010, foram
levantados 125 autos.
Apesar das multas -até 3740 euros, para
pessoas singulares -, a actividade continua em força. Com a fartura de
amêijoa, o preço deste marisco no mercado, que já esteve a seis euros
por quilo, baixou para metade. "Há quem cá venha todos os dias. Se levar
10 quilos por dia, tem um ordenado ao fim do mês." A crise e o
desemprego também são aqui desculpa para o aumento de mariscadores.
Durante
os 32 anos que José trabalhou na CUF, "ninguém apanhava aqui amêijoas".
Estavam mortas. Agora, "não há comparação possível". E não é só nos
bivalves que se nota a diferença. Há mais chocos, "boas douradas",
robalos. Com a entrada em funcionamento da estação de tratamento dos
efluentes do Barreiro e da Moita, que será inaugurada na primeira semana
de Abril, esperam-se melhorias.
Pergunto-me.. Agora a diferença é assim tão notável? Está de facto menos poluído do que em 2011?
Basta ir até ao Barreiro, junto ao rio, para se ver que não. Talvez com mais tempo se notem melhorias. "Talvez.."